Tríplice Coroa de 1957

America 57 (avacoelhada)

(Reprodução: Acervo Torcida Desorganizada Avacoelhada)

Um dos grandes momentos de hegemonia americana no futebol mineiro foi durante a temporada de 1957, quando o Coelho conquistou todos os campeonatos promovidos pela Federação Mineira no ano, sendo campeão estadual em nível profissional, juvenil e aspirantes, um feito inédito até então. A conquista ficou conhecida como a “Tríplice Coroa”, já que foi a primeira vez que um clube mineiro realizou esse feito na história. Foi a primeira vez que a imprensa local utilizou o termo, que também batiza uma conquista cruzeirense.

A Tríplice Coroa de 1957 serviu para consagrar uma safra de ídolos americanos. Afinal, entre 1957 e 1961, aquela geração composta por craques como Zuca, Jardel, Gunga, entre outras lendas, levou o clube ao topo das decisões do futebol mineiro durante quatro oportunidades em cinco anos: Além do título em 1957, o melhor resultado daquela geração, Coelho também brilhou durante as campanhas estaduais de 1958, 1959 e 1961, quando foi vice-campeão estadual três vezes em quatro anos. Não à toa, o América era a base da Seleção Mineira de Futebol no período. Em 1957, por exemplo, o clube chegou a enviar seis representantes, cinco deles titulares, para o Torneio de Seleções Estaduais de 1957, realizado na cidade de Barbacena-SP. Os enviados foram:

– Gunga: segundo maior artilheiro da história do clube;
– Edgar: único jogador mineiro convocado para a Seleção Brasileira durante a temporada;
– Wilson Santos e Dôdô: jogadores decisivos para o futuro título estadual;
– Geraldo: atacante do clube por mais de dez anos, também é famoso por ser um dos dois americanos presentes na inauguração do Mineirão, em 1965, ao lado de Jair Bala;
– Tonho: goleiro reserva do Selecionado Mineiro, foi terceiro jogador que mais atuou pelo América na história, com 231 partidas. Além disso, Tonho foi o único jogador do clube campeão estadual em 48 e 57, ao lado do zagueiro Gaia.

O América também contou com a revelação de quatro jogadores campeões mineiros de juniores do mesmo ano para levar a taça, entre eles o popular goleiro Jardel, conhecido como “O Cavaleiro Negro”,e o talentoso Zuca, autor de 78 gols com a camisa alviverde. O artilheiro do América na competição foi Miltinho, com 12 gols, enquanto o o meia Toledo foi eleito o melhor jogador do Campeonato Mineiro.

Em uma campanha que prevaleceu altos e baixos, o Coelho venceu 12 partidas, empatou 11 e perdeu apenas 1 (para o Siderúrgica). Ao todo, marcou o dobro de gols do que sofreu: foram 50 gols marcados e 25 sofridos em 24 jogos. Curiosamente, o América venceu apenas uma partida nas sete primeiras rodadas, mas reagiu com uma incrível sequência de 9 vitórias em 11 jogos para conseguir o título histórico.

No entanto, apesar de ser campeão estadual, o América inexplicavelmente ficou de fora da disputa do Robertão de 1958, primeiro torneio nacional oficial do futebol brasileiro, que reuniu os campeões estaduais das duas temporadas anteriores. Por razões ainda desconhecidas, o Coelho perdeu a chance de ser o primeiro clube mineiro a participar de uma competição em nível nacional.

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REGULAMENTO

Formado por 11 equipes, o Campeonato Mineiro de 1957 foi decidido em finais sobre o sistema “melhor de três”, composto pelo campeão do primeiro turno contra o campeão do segundo turno, sendo que cada turno previa 9 jogos para os times participantes. Em caso de empate de pontos entre duas equipes durante as fases de turno ou returno, uma decisão melhor de três era jogada para determinar o finalista.

CAMPANHA: :

18 jogos: 11 vitórias, 6 empates, 1 derrota;
34 gols marcados e 8 gols sofridos

Primeiro Turno:
30/06: América 1×1 Democrata de Sete Lagoas
07/07: América 3×2 Villa Nova
13/07: América 2×2 Meridional
20/07: América 2×2 Cruzeiro
28/07: América 1×1 Metalusina
04/08: América 0x1 Siderúrgica
11/08: América 2×1 Asas
24/08: América 3×1 Sete de Setembro

Segundo Turno:
29/09: América 2×1 Asas
06/10: América 1×0 Villa Nova
13/10: América 6×1 Metalusina
20/10: América 1×1 Cruzeiro
27/10: América 3×2 Meridional
03/10: América 3×2 Democrata de Sete Lagoas
10/11: América 2×2 Siderúrgica
19/11: América 3×0 Atlético
24/11: América 5×1 Sete de Setembro

Decisão do segundo turno:
01/12: América 1×1 Siderúrgica
05/12: América 1×1 Siderúrgica
15/12: América 2×0 Siderúrgica

Final:
22/12: América 4×1 Democrata de Sete Lagoas
29/12: América 0x0 Democrata de Sete Lagoas
03/12: América 2×2 Democrata de Sete Lagoas

América 57 2(avacoelhada)

PRIMEIRO TURNO:

O América oscilou durante o início do Campeonato Mineiro 1957, sem demonstrar nem de longe o brilho que teve para ser campeão. Durante as sete partidas iniciais, o futuro dono da “Tríplice Coroa” venceu apenas uma, empatou 5 e, ainda, vivenciou sua primeira e única derrota na competição, para o Siderúrgica.

O mau desempenho no início do Campeonato de 57 pode ser explicado, em parte, pela sobrecarga física de alguns jogadores antes do início da competição, já que metade da equipe titular havia servido a Seleção Mineira de Futebol durante o confronto de Seleções Estaduais em Barbacena-SP, enquanto a outra metade viajou à Argentina e Uruguai para disputar amistosos de pré-temporada. Pouco antes, em 1956, muitos deles haviam excursionado com o clube para a Europa, durante a primeira excursão americana ao Velho Continente. Para completar, o Campeonato Mineiro de 1956 só terminou em maio de 1957.

Em outras palavras: antes da disputa do estadual de 57, alguns dos principais jogadores americanos haviam atuado por amistosos, pelo torneio de Seleções Estaduais e pelo Estadual de 56. Esses fatores ajudam a explicar porque a equipe de 1957 demorou para alcançar a plenitude técnica. Dessa forma, com apenas uma vitória em sete jogos, o futuro campeão terminou só na quarta posição durante a classificação geral do primeiro turno da competição.

REESTRUTURAÇÃO

Além do desgaste físico, o elenco americano de 1957 também teve de se recuperar de algumas baixas sofridas, como a transferência de Gunga, segundo maior artilheiro da história do Coelho, para ninguém menos que o poderoso Barcelona (Gunga havia brilhado durante excursão americana à Europa em 1956, tendo marcado 7 gols em território espanhol). Além de Gunga, o atacante Edgar, único jogador mineiro convocado para a Seleção Brasileira naquele ano, também chamou a atenção e foi comprado pelo Botafogo por alta quantia.

O time americano demorou a encontrar substitutos à altura para dois de seus maiores craques, mas no final, remanescentes como Miltinho, Wilson Santos, Dôdô e Toledo deram conta do recado. Além disso, quatro jogadores que foram campeões mineiros pelo time de juniores foram elevados a equipe profissional para suprir a ausência dos antigos ídolos, entre eles o goleiro Jardel, conhecido como “O Cavaleiro Negro”. Com menos de 20 anos, o arqueiro teve bala para desbancar Tonho (campeão em 1948 e terceiro jogador que mais atuou pelo América) para agarrar o posto de titular da histórica equipe com belas atuações. O meia-atacante Zuca, décimo maior artilheiro da história do clube, foi outro dessa safra que não demorou em se destacar pelo profissional pouco depois de brilhar pelo juvenil.

VOLTA POR CIMA

Ao promover as devidas alterações no time titular, o América retomou a força máxima e compensou o baixo rendimento inicial com 9 vitórias em 11 partidas. Durante o segundo turno, o Coelho fez campanha invicta e alcançou 7 vitórias e 2 empates em 9 jogos.

O desempenho valeu a liderança do returno, com pontuação idêntica ao Siderúrgica. Para determinar o finalista, uma decisão “melhor de três” foi marcada. O vencedor conquistaria o direito de jogar a final contra o Democrata de Sete Lagoas (melhor equipe da primeira fase).

Curiosamente, o desempenho de 57 foi bastante semelhante à outra campanha campeã do América. Em 2001, o Coelho também conseguiu apenas uma vitória nos sete jogos iniciais e, assim como há mais de 40 anos antes, reagiu na sequência com 9 vitórias em 11 partidas para ser campeão.

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Decisão do returno: América x Siderúrgica

Em uma decisão “melhor de três”, chamada de “decisão do returno”, o América precisava vencer o Siderúrgica para ter a oportunidade de jogar a final do Campeonato Mineiro contra o Democrata de Sete Lagoas.

Diante de um Independência lotado, o Coelho empatou a primeira das três partidas (01/12). O time alviverde até saiu na frente durante o primeiro tempo com Miltinho, artilheiro do certame, mas o empate veio na segunda etapa, com a marcação de um pênalti para a equipe adversária.

Na segunda partida (05/12), novamente no estádio do Independência, o América tomou um susto quando o Siderúrgica abriu o placar aos 25 minutos do primeiro tempo, com Joãozinho. O placar eliminava o Coelho e instaurou a tensão no Independência. Pela primeira vez na história, duas equipes de fora decidiriam o Estadual, já que a decisão seria entre Siderúrgica e Democrata. No entanto, quando ninguém mais esperava, aos 43 minutos do segundo tempo, Wilson Santos aproveitou rebote do goleiro e acabou com o desespero: 1×1.

O empate pediu uma terceira e última partida, marcada para 08/12, mas adiada para o dia 15 em razão das fortes tempestades que caíam sobre a capital mineira.

Em uma decisão de arbitragem polêmica, o América teve 2 jogadores expulsos (Jardel e Toledo), mas mesmo assim conseguiu vencer o Siderúrgica (que também teve 1 jogador expulso) por 2×0 – gols de Goiano e Wilson Santos. Um resultado heróico, ainda mais depois de todo drama na partida anterior.

Depois de sete anos de ausência, o América estava de volta à final do Campeonato Mineiro, com sorte de campeão.

Três jogadores do clube foram convocados para o “Escrete-Medalha”, tradicional Seleção do Campeonato Mineiro promovida pelo jornal “O Estado de Minas Gerais”: Fernando Fantoni, Wilson Santos e Toledo (eleito o craque da competição).

Final: América x Democrata-SL

Assim como na decisão do segundo turno, a final do Campeonato Mineiro foi disputada no sistema “melhor de três”, com as finais sediadas em um campo neutro, o Estádio do Independência. O adversário do América na final, o Democrata-SL, havia sido a grande surpresa do Campeonato. Com 13 vitórias em 20 jogos, o time do interior terminou o primeiro turno invicto.

Durante a primeira final, disputada em 22 de dezembro de 1957, apenas 3 dias antes do Natal, o América antecipou as festas ao golear os democratas por 4×1 – 2 gols de Wilson Santos e 2 gols de Goiano, ambos os jogadores decisivos para o time na fase final.

O presente de fim de ano veio no dia 29, com um empate por 0x0 na segunda final. A partir de então, bastava apenas mais um empate para garantir o primeiro título americano desde 1948. Porém, a façanha de 57 só poderia ser comemorada no ano seguinte, no dia 03 de janeiro de em 1958, data do terceiro jogo. É de se imaginar que os americanos tenham comemorado o novo ano cheio de promessas, em uma mistura de alegria e apreensão. Alguns dizem que o Coelho teve azar em finais durante os anos seguintes porque muitos torcedores não cumpriram as promessas de fim de ano que fizeram para garantir o título do Coelho no terceiro dia de 1958. Afinal, depois da conquista de 57, o time foi cinco vezes vice-campeão até 1965.

Seja como for, a terceira final foi jogada sob uma linda festa da torcida americana, que levou flâmulas e faixas de campeão, coelhos vivos e de papel e iluminou o céu de Belo Horizonte com foguetes e rojões para estrear o novo ano com uma festa de gala.

Aos 22 minutos do 1º tempo, Goiano – “sempre ele!” – recebeu passe de Wilson Santos e abriu o marcador para o Coelho. Após o gol, o estádio em polvorosa festejou mais 15 minutos de foguetório.

Mas o Democrata voltou para a segunda etapa decidido a frustrar a festa alviverde. Surpreendentemente, o time de Sete Lagoas chegou a virar o placar, com gols de Bertolo, aos 16 minutos, e Pedro Luiz, aos 21, deixando o Independência de boca aberta. Caso vencessem, levariam a final para os pênaltis. Provavelmente o América achou que já tinha garantido o título e se surpreendeu contra um adversário que já não tinha mais nada a perder.

De qualquer jeito, foi a deixa para a torcida cantar americana ainda mais, empurrando o Coelho pra cima do tento heroico que valeria o título. Depois de muita tensão e barulho no Independência, o empate veio aos 32 minutos do segundo tempo, quando Leônidas encontrou a bola na grande área e afundou as redes de uma geração. Lenços brancos à torcida adversária, comemoração pelo resto da cidade que cobria o Horto! Fogos de artifício, bombas e rojões sendo atirados para todos os lados! A taça estava perto!

Bastou mais 15 minutos de catimba e festa no Independência para o Coelho comemorar o sofrido título. A segunda maior torcida do Estado até então entrou em êxtase, invadiu o gramado do Horto e carregou os jogadores em seus braços, durante uma comemoração histórica.

Após uma campanha eletrizante, o América enfim confirmou seu décimo terceiro título estadual, conquistado com drama, redenção e heroísmo, como manda o figurino da história americana. Aliado aos títulos nas categorias juvenis e aspirantes, o Coelho celebrou uma temporada perfeita, quando foi campeão em todos os níveis do futebol local: A conquista ficou conhecida como a “Tríplice Coroa” – foi a primeira vez que a imprensa esportiva mineira utilizou o termo.