Campeão Mineiro de 1948

Time 1948

O América conquistou seu primeiro título estadual como clube profissional em 1948, auxiliado pela ampliação do estádio da Alameda e pela conquista da “Taça dos Campeões” apenas alguns meses antes. Comandado por uma geração de ídolos como os lendários Yustrich, Valsechi, Petrônio e Murilinho, a conquista serviu para confirmar o ressurgimento americano no cenário local, após uma década de 1930 conturbada e marcada pelos tantos protestos do clube contra o profissionalismo do futebol.

CAMPANHA:

Primeiro Turno:
13/05: América 1×0 Metaluzina
16/05: América 2×0 Villa Nova
13/06: América 1×1 Cruzeiro
19/06: América 5×0 Sete de Setembro
27/06: América 5×0 Siderúrgica
04/07: América 0x3 Atlético
Segundo Turno:
25/07: América 2×0 Sete de Setembro
08/08: América 1×1 Villa Nova
15/08: América 3×1 Metaluzina
28/08: América 1×3 Atlético
05/09: América 2×1 Cruzeiro
12/09: América 2×1 Siderúrgica
Terceiro Turno:
26/09: América 5×0 Siderúrgica
10/10: América 4×1 Sete de Setembro
31/10: América 2×0 Cruzeiro
07/11: América 3×2 Metaluzina
21/11: América 0x0 Villa Nova
28/11: América 3×1 Atlético

O América passou a maior parte da competição entre a vice-liderança e a terceira colocação, apenas à espreita para conseguir uma vaga na final durante as últimas rodadas do certame. O Atlético, bicampeão em 46-47 e vice-campeão de 1948, manteve a liderança durante todo o certame e era considerado o grande favorito ao título, até porque havia vencido as duas partidas contra o América até a grande decisão. O time alvinegro era famoso pelo “trio maldito” no ataque composto por Mário de Castro, Sahid e Jairo.

Enfim, o jogo que decidiu o destino dos americanos nem precisou do Coelho em campo, durante o clássico entre Atlético-MG e Palestra Itália válido pela penúltima rodada: Os palestrinos venciam os alvinegros por 2×1 até os momentos finais, placar que colocava a equipe “italiana” em boa posição para roubar a vaga do Coelho na decisão; Porém, já nos acréscimos do segundo tempo, quando muitos davam a fatura como decidida, o Atlético conseguiu o gol de empate que enterrou o rival. O América, então correndo por fora, finalmente elevou-se a vice-liderança. Bastou mais uma rodada para ser oficial: O maior clássico mineiro da época decidiria o campeão.​

Não é novidade para ninguém que o antigo “clássico das multidões” entre América e Atlético era o grande derby de Minas Gerais até meados da década de 1960 e início de 70. O Palestra já era tido como uma força potencial, mas ainda algo restrita a colônia de italianos em Belo Horizonte e às redondezas da toca da raposa. Mas era o confronto entre América e Atlético reunia não apenas as duas maiores torcidas da época, como os dois maiores campeões do Estado.

O Coelho era o inimigo mortal dos atleticanos da época, que sonhavam há muito em superar a hegemonia de títulos estaduais instaurada durante o deca-campeonato. Um ano antes da grande decisão de 1948, os alvinegros enfim superaram os alviverdes em números de títulos estaduais, somando 11 contra 10. Os duelos entre as equipes costumavam ser agressivos, violentos e controversos, com os “nervos a flor da pele”, enquanto a imprensa local ainda reforçava a rivalidade com o contraste caricaturado entre “elite” (América) e “povo” (Atlético).​

Não bastasse a rivalidade, a história recente despertava ainda mais ansiedade para a final. Afinal, os planos de ambos os clubes eram ambiciosos: Para o Coelho, a conquista representaria o fim de um longo jejum sem títulos do Campeonato Mineiro, que pairava desde o deca-campeonato, muito em razão ao protesto da equipe contra o profissionalismo do futebol brasileiro durante a década de 1930. Já ao Atlético, clube de melhor campanha no certame e tido como grande favorito ao título, a taça representava a concretização de um antigo sonho perseguido desde sua fundação e que àquela altura já havia sido alcançado por seus dois maiores rivais, além do Villa Nova: o inédito tri-campeonato mineiro.

A COLIGAÇÃO CONTRA O ATLÉTICO

Poucos dias depois de confirmada a final, o antigo presidente americano Alair Couto, responsável pela ampliação do Estádio da Alameda em março do mesmo ano, convocou a torcida mineira a favor do Coelho durante um anúncio oficial à imprensa. Seu discurso inflamado tomou as manchetes dos principais jornais esportivos locais, como “O Diário da Tarde”, “A Folha de Minas” e “O Estado de Minas”:

“Torcidas do Cruzeiro, Vila Nova, Sete de Setembro, Metalusina e Siderúrgica, unam-se em torno do América. Não podemos permitir a festa do tricampeonato sob nossas barbas!”.

A desconfiança que o Atlético era uma equipe constantemente beneficiada pela arbitragem caseira já era familiar aos fãs mineiros da época, ainda mais diante das contribuições do controverso juiz Cidinho “Bola Nossa”, declarado torcedor atleticano. Não tardou para o povo abraçar a ideia como forma de manifestar sua antiga antipatia ao clube alvinegro: Estava criada a “coligação contra o Atlético”, histórico momento em que a torcida alviverde multiplicou-se por sete. Quase que de repente, todas as torcidas de Minas Gerais, com exceção da massa atleticana, anunciavam a torcida para o América ser campeão. Uma grande jogada do presidente Alair Couto.

Mas esse foi apenas um dos episódios do clássico extra-campo que precedeu a final. Afinal, há cada dia que passava, uma nova polêmica surgia dos escritórios administrativos dos clubes para a farra da imprensa local. Bastou o América anunciar o valor do “bicho” (recompensa pela vitória) em caso de título, para a diretoria do Atlético declarar que pagaria o dobro aos seus jogadores caso fossem campeões.

MAS LOGO CIDINHO?

No dia 22 de novembro, a novela teve seu ponto crítico, quando o presidente atleticano rompeu com o departamento de arbitragem de Minas Gerais após exigir que Cidinho “Bola Nossa” fosse o árbitro da final. “Mas logo Cidinho, o ‘bola é nossa’?!” – reclamava indignada a diretoria do Coelho. Ocorria que o ilustre Cidinho era, antes de árbitro, um sublime torcedor atleticano que, em certa partida, apressou um jogador alvinegro para realizar a cobrança de lateral, dizendo: “Vai, vai, que a bola é nossa!”.

​Sem obter justiça em seu próprio lar, a diretoria americana então apelou à Federação Carioca, solicitando a arbitragem do juiz britânico “Mr. Barrick” para a grande final. A demanda foi concedida pela federação Guanabara no dia 26 de novembro e, pela primeira vez na história, a final do Campeonato Mineiro foi apitada por um árbitro estrangeiro. Mas o Atlético não se deu por satisfeito e exigiu, ao menos, que Cidinho fosse um dos bandeirinhas. A demanda foi novamente recusada por motivos óbvios. O curioso da história

yustrich-ii

O lendário treinador Yustrich não levava desaforo pra casa. O ex-goleiro conquistou seus primeiros títulos na função à serviço do Coelho em 1948.

YUSTRICH versus VALSECHI

Não bastasse a confusão em torno da arbitragem da final, o Coelho também sofreu dores de cabeça com problemas domésticos quando o folclórico treinador americano Yustrich ameaçou a afastar dos treinamentos e da final o grande craque da equipe, o argentino Valsechi, que foi acusado de indisciplina por chegar atrasado na concentração. A diretoria americana penou, mas conseguiu contornar a situação e fazer o vaidoso Valsechi se desculpar perante o  disciplinador Yustrich. Após uma longa conversa com o treinador, o argentino enfim foi confirmado para a final e acabou tendo influência decisiva no primeiro título de Yustrich na função de treinador.

A grande final: América 3×1 Atlético

Alameda final 1948 (Acervo Marinho Monteiro)

Estádio da Alameda completamente abarrotado para acompanhar o clássico entre América e Atlético que decidiu o Campeonato Mineiro de 1948. (Reprodução: Acervo Mário Monteiro)

A histórica final teve data no dia 28 de novembro de 1948, que amanheceu especialmente nublado e chuvoso, despertando ainda mais tensão para a tão aguardada decisão. O jogo estava previsto para às quatro horas, mas, desde muito antes, as torcidas adversárias já se exprimiam nas arquibancadas da recém-reformada Alameda em busca de uma boa vista do campo. A polícia e o corpo de bombeiros ficavam a beira do campo para acobertar o nostálgico estádio.

As 4 horas, em meio a muita festa de ambas as torcidas, o alçapão tremeu para recepcionar o América de Tonho, Didi, Lusitano, Jorge, Lazarotti, Negrinhão, Helio, Elgem, Petrônio, Valsechi e Murilinho. Na sequência veio o Atlético, que entrou em campo com Kafunga, Murilo, Ramos, Mexicano, Zé do Monte, Afonso, Lucas, Lauro, Carlayle. Alvim e Nivio.  Os minutos antecessores a final de 1948 foi um dos maiores espetáculos apresentados pelo futebol mineiro até então, com quase 15 minutos ensurdecedores de fogos de artifício enquanto os rivais perfilados entravam em campo. 

Luzitano e Carlayle

Lusitano, jogador do Atlético, cumprimenta o americano Carlayle, momentos antes da histórica final de 1948. De autoria desconhecida, é uma das mais simbólicas fotos da decisão.

O JOGO

Determinado a vencer seu primeiro título como clube profissional para estrear a nova Alameda com uma festa de gala, o América entrou em campo pilhado, e não hesitou em sair na frente logo aos 3 minutos da primeira etapa, com um gol relâmpago do atacante Murilinho, após jogada do ídolo americano Lusitano em parceria com Elgem, que foi quem deu a assistência para o gol.

Apesar de indigesta, a abertura no placar ainda não era um golpe fatal as convicções atleticanas. Os alvinegros fingiram não sentir a pressão e buscaram tranquilamente a bola no fundo do gol, acreditando que a superioridade durante o certame seria o maior trunfo para a vitória.

Mas os jogadores de negro desconheciam o heroísmo alviverde que, com o apoio de sua torcida, e de outras 7 mais, tinha energia de sobra para voltar a ser campeão. E é nessas horas que vale o timbre do comandante: O estilo controverso de Yustrich até pode ter sido notícia nos bastidores, mas naquela tarde, só faltou o treinador entrar em campo. O líder americano gritou, xingou, gesticulou, sobretudo, torceu por cada lance como o mais apaixonado torcedor.

Como efeito, até os mais técnicos jogadores da equipe brigavam como soldados por cada bola perdida. Frente a dura e inabalável marcação do Coelho, a equipe rival não conseguiu achar um caminho para o empate. Mas há cada movimento do ponteiro, o nervosismo do Galo aumentava.

PETRÔNIO É O NOME DELE!

Aos 42 minutos da etapa inicial, o grande Petrônio, terceiro maior artilheiro da história do América, protagonizou um dos lances mais folclóricos e excêntricos da história do Campeonato Mineiro: O artilheiro comprado do Villa Nova disparou em arrancada e arriscou um chute venenoso, mas despretensioso, à meta alvinegra. Aparentemente, o goleiro Kafunga engoliu um frango e a pelota entrou: Coelho 2×0.

No entanto, um zagueiro atleticano, alegou que a pelota resvalou nos pés de um dos tantos policiais à beira do campo antes de afundar nas redes, mas a verdade é que pouco se sabe sobre o que realmente ocorreu naquele lance.

Seja como for, serviu como deixa para os jogadores alvinegros, desesperados com a ampliação da vantagem alviverde, acudirem o árbitro estrangeiro para invalidar o segundo gol. Mas o pobre juíz inglês Mr Barrick pouco entendia do idioma popular brasileiro que conduziu a algazarra e começou o quebra-pau.

A torcida atleticana partiu pra cima dos americanos, que tentavam se defender fazendo barulho com morteiros. Logo os torcedores foram acompanhados dos jogadores, que desfilavam pontapés e perseguiam o árbitro britânico. Mas o time alviverde não se acovardou e também foi pra cima. Sobrou pra todo mundo, e a confusão só foi contida pelos impiedosos cassetetes dos policiais. Após muito tumulto, a partida foi reiniciada.​

​​NOCAUTE!

Nos primeiros minutos da segunda etapa, Nívio, astro da Seleção Mineira de Futebol, driblou alguns defensores americanos e marcou um golaço que devolveu esperanças ao Atlético. A torcida rival se animou, depois de seriamente golpeada com o inacreditável tento de Petrônio. As esperanças pelo tri-campeonato renasciam por um momento.

Mas logo elas ruiriam novamente com o fortuito cruzamento de Hélio, que foi premiado com um gol involuntário que garantiu o título. Graças ao forte vento daquela tarde chuvosa, o suposto cruzamento voou como uma folha seca em direção ao gol, morrendo do lado oposto do que o goleiro Kafunga havia previsto. Novo frango do goleiro e ídolo alvinegro.

Nocaute: 3×1 América!

Após o gol, os alvinegros, incrédulos com o fim da oportunidade de ser tri, iniciaram nova confusão. Os atleticanos também lamentavam um gol anulado, além de questionarem a validez do segundo gol americano. Dessa forma, em meio a um tumulto generalizado, os jogadores do Atlético abandonam o gramado rumo ao vestiário. O árbitro estrangeiro aguarda mais 15 minutos antes de confirmar o título americano, que só foi comemorado com garantia alguns meses depois, após a confirmação oficial da Federação.

A diretoria alvinegra até tentou pressionar a Liga para a realização de uma nova decisão, mas não conseguiu evitar o primeiro título do América na era profissional do futebol mineiro, que voltou a se igualar com o Atlético em número de conquistas estaduais como o maior campeão do Estado. Uma conquista legítima como a grandeza do clube, folclórica como o futebol da época e emocionante como um verdadeiro clássico. Para alguns historiadores, foi a primeira grande final da Era Profissional do futebol mineiro, por tudo que envolveu em termos de competitividade, repercussão, rivalidade e arrecadação.