Gunga

DO AMÉRICA AO BARCELONA

O atacante Gunga é o segundo maior artilheiro da história do América, com 105 gols marcados em 153 jogos, atrás apenas do imortal Satyro Taboada. Gunga teve duas passagens brilhantes pelo América: Em 1956, foi o principal destaque da primeira excursão do clube a Europa, o que lhe valeu uma transferência para o Barcelona no início de 1957, enquanto entre 1958 e 61, Gunga retornou ao Coelho para ser três vezes vice-campeão estadual (1958/59 e 1961) e o artilheiro do Campeonato Mineiro de 1959 com 13 gols e o vice-artilheiro em 1958 com 9.

Gunga chegou ao América em 1956, com a ingrata missão de substituir o ídolo Jaburu, recém contratado pelo Porto de Portugal. Gunga foi indicação pessoal do antigo xodó americano, que o conhecia dos campos de várzea em Valença, no Rio de Janeiro.

Habilidoso e exímio finalizador, o centroavante conhecia como poucos os segredos da pequena área, onde, segundo suas próprias palavras, “o atacante é o deus”:

“A área é do atacante, ali ele é o deus. O adversário é quem tem que se virar mesmo, porque, além da vantagem que o artilheiro tem, existe o que é importante para ele: a trave, com mais de sete metros, e a área do pênalti.” – disse Gunga, com precisão inigualável para descrever a facilidade que um dia teve para balançar as redes.

Logo em sua primeira temporada pelo América, Gunga brigou pela artilharia do Campeonato Mineiro, sendo o principal goleador americano na competição, com 8 gols. Mas o atacante brilhou mesmo durante a primeira excursão do clube a Europa, quando o Coelho disputou partidas contra equipes da Alemanha, França, Espanha, Polônia e Bélgica. Gunga foi o principal artilheiro do América na viagem, tendo registros de pelo menos 15 gols marcados pelo atacante durante a excursão pelo Velho Continente.

O impressionante desempenho do craque em território espanhol (7 gols em 4 jogos)  chamou a atenção de ninguém menos que o poderoso Barcelona, que comprou o passe do atacante por quase um milhão de cruzeiros (800 mil) em março de 1957. Pouco antes, o atacante havia integrado a Seleção Mineira de Futebol, ao lado de outros cinco jogadores americanos (Edgar, Wilson Santos , Geraldo, Dodô e Tonho).

Depois de cerca de um ano no clube catalão, Gunga retornou ao Brasil em 1957, para atuar no Botafogo. O jogador ainda teve uma curta passagem pelo Sport antes de confirmar o aguardado retorno ao América, em 1958.

Durante sua segunda passagem pelo América, Gunga confirmou ainda mais seu status de ídolo mineiro-americano. De volta a Alameda para defender a equipe que havia conquistado a tríplice coroa um ano antes, o craque por pouco não levou ao Coelho ao bicampeonato estadual, quando foi vice-campeão e vice-artilheiro, com 9 gols.

O América tem muito a se queixar pelo vice de 1958 justamente porque Gunga, que já havia se transformado na principal esperança de gols da equipe, ficou de fora de todo o restante da competição após uma goleada por 3×0 clássico contra o Atlético, quando foi trucidado em campo pela agressividade da marcação adversária. Naquele dia, Gunga teve uma fratura nos ossos da região orbital tamanha a brutalidade alvinegra, o que lhe custou a participação no restante do certame. A forma como o jogador foi agredido em campo foi covarde de tal forma que o caso foi parar na delegacia, em um acontecimento sem precedentes no futebol mineiro. Em entrevista ao jornal “O Estado de Minas”, o jogador narrou o caso com suas próprias palavras:

“Todos sabem que jogo duro, mas na bola. Arizona, Benito, Celso e William (jogadores do Atlético-MG) tramaram um complô para inutilizar-me. Desde que viram o jogo perdido, passaram a caçar-me. No lance em que fui atingido e estranhamente o juiz não viu, os quatro investiram contra mim, tendo um deles gritado: ‘é agora!’. Quando me preparava para saltar e cabecear a bola, os quatro me imprensaram e o zagueiro, aproveitando a confusão, desferiu-me criminosa cotovelada no olho. Caí vendo tudo escuro. Tentei levantar-me, mas estava tonto e cego. Ao ser retirado de campo, ainda pude perceber que eles não estavam satisfeitos, pois naquele exato momento Ilton atacava ferozmente o meu companheiro Roberto. O sangue que escorria pelo meu rosto é o mesmo que ferve minhas veias. Por isto voltei ao campo quase cego de indignação e dor. Não estava vendo nada direito e parti sobre Celso, supondo que fosse Benito. Porém, qualquer um dos dois serviria. Como serviriam também o Arizona e o William… Voltei para terminar a briga começada por eles de maneira tão indigna. Eles porém se acovardaram. Mas aí depois que errei o alvo o juiz me expulsou. Matem-me, mas não me batam!”.

(Depoimento disponibilizado na enciclopédia oficial do clube)

Os gols e o talento de Gunga o transformava no principal alvo da pancadaria dos rivais. Mas apesar da impiedosa perseguição adversária, o desempenho do craque foi ainda melhor em 1959, quando o atacante se recuperou da lesão no ano seguinte de forma magistral e, com sede de vingança, conseguiu pela primeira vez a artilharia do Campeonato Mineiro, ao anotar incríveis 17 gols durante a campanha novamente vice-campeã do América. Dois anos mais tarde, em 1961, o Coelho foi vice pela terceira vez em cinco anos, dessa vez pela diferença de apenas um ponto para o primeiro colocado Cruzeiro.

Por detalhes, injustiças, erros de arbitragem ou mesmo o próprio azar, Gunga foi um daqueles craques que conseguiu se marcar como ídolo de um clube mesmo sem a conquista definitiva de um título. Afinal, o artilheiro participou com protagonismo de uma das mais memoráveis gerações americanas, marcada por grandes campanhas no estadual, e que tanto encantou torcedores na velha Alameda. Vice-campeão estadual duas vezes consecutivas, o grande azar de Gunga no América foi ter ficado de fora da conquista da Tríplice Coroa em 1957. Mesmo assim, o craque participou indiretamente da conquista, contribuindo financeiramente para a formação da equipe campeã, já que foi, ao lado de Edgar, a principal transferência do Coelho durante a temporada vitoriosa.

Após cinco temporadas à serviço do Coelho, Gunga deixou a Alameda logo após o vice-campeonato estadual de 1961, como ídolo da torcida e maior artilheiro da era profissional do América. O atacante ainda foi treinador-jogador na Venezuela, por equipes como o Galícia e o Deportivo Itália, antes de encerrar a carreira com 43 anos.

Curiosamente, apesar de ter sido um notável craque com passagem pelo Barcelona e tudo mais, o segundo maior artilheiro da história do América passou seus últimos dias na pobreza, como tantas outras lendas de sua época, em um trágico contraste com os eternos dias de glória do passado. Falecido em 1991, com apenas 59 anos, Gunga deixou a Terra sem dizer adeus, mas jamais deixará a memória do centenário América, onde permanece vivo como o segundo maior artilheiro da história do clube mais de 50 anos depois de sua passagem.